Epidemia silenciosa: o que o colapso da saúde mental revela sobre o trabalho no Brasil
- Juliana Dias

- 12 de set.
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Até o fim do dia, mais de mil trabalhadores brasileiros terão sido afastados de suas funções por transtornos mentais. A média é calculada a partir de dados do Ministério da Previdência Social em 2024, que apontam 472.328 benefícios concedidos por questões de saúde mental, como ansiedade e depressão. O número representa um aumento de 68% em relação ao ano anterior e acende um alerta sobre a saúde dos trabalhadores.
Além disso, só no primeiro semestre deste ano já foram concedidos 271.076 benefícios pela Previdência por transtornos mentais, quase o mesmo total concedido em todo o ano de 2023. Ao analisar os relatórios e destacar os dados sobre transtornos mentais relacionados ao trabalho, o cenário não melhora. Considerando apenas os casos de esgotamento profissional (síndrome de burnout) entre 2021 e 2024, houve um avanço de 178% nas concessões de benefícios por incapacidade laboral no País. Em Minas, a alta chegou a 212%.

Vale destacar que os dados consideram apenas as concessões de benefícios contabilizadas pela Previdência, ou seja, aquelas cujos trabalhadores foram pagos por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) depois de 15 dias de afastamento. Antes disso, a remuneração cabe às empresas. “Dessa forma, nem todo trabalhador afastado de suas atividades recebe um benefício previdenciário”, informou o órgão.
A boa notícia é que a legislação brasileira avançou neste ano. A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que passou a incluir os fatores de risco psicossociais no ambiente de trabalho, representa uma mudança de paradigma na saúde mental dos trabalhadores. Embora a obrigação de zelar pela saúde do trabalhador já esteja prevista na Constituição Federal (artigo 7º, inciso 22), a norma agora deixa explícita a responsabilidade das empresas quanto à saúde mental de seus colaboradores.
Há normas regulamentadoras para riscos no trabalho, como o biológico, o químico, o ergonômico, além de questões de temperatura, ruído e trabalho em altura. Mas ainda não havia uma norma específica para a saúde mental. Agora, a NR-1 inclui entre os riscos a serem observados os psicossociais. Assim, o empregador passa a ser responsável por mapear, monitorar e cuidar dos riscos relacionados à saúde mental dos empregados no trabalho. Essa NR funciona como uma ‘norma-regulamentadora-mãe’, que vai orientar inclusive os desdobramentos de outras normas.
As empresas, então, passam a ter a obrigação legal de identificar, avaliar e controlar fatores como sobrecarga de trabalho, assédio moral e metas inatingíveis, considerados os principais gatilhos para o adoecimento. Mas só no ano que vem. Inicialmente prevista para maio deste ano, a vigência da norma foi adiada para o dia 26 de maio de 2026, quando as autuações da Inspeção do Trabalho começam a ser aplicadas. A ideia é que esse intervalo sirva como período de adaptação para que as empresas ajustem seus processos e se preparem.
Transtornos mais comuns entre os trabalhadores
Além do burnout, as condições mais frequentes entre trabalhadores afastados, segundo dados do Ministério da Previdência, incluem transtornos ansiosos, episódios depressivos e quadros graves de estresse.
Segundo a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), essa realidade é impulsionada por um conjunto de fatores ligados à organização do trabalho, como:
sobrecarga de tarefas;
pressão excessiva por metas;
ambientes com presença de assédio moral;
falta de autonomia do trabalhador;
insegurança constante quanto ao futuro profissional;
desequilíbrio entre vida pessoal e profissional (agravado pela cultura da hiperconectividade).
Esses elementos, combinados, contribuem para um cenário de estresse crônico, que adoece de forma silenciosa e progressiva. E o adoecimento não é apenas emocional. Há também perdas financeiras, comprometimento das relações familiares e o risco de cronificação da condição. As mulheres respondem por 64% dos afastamentos, em média aos 41 anos, reflexo das desigualdades sociais e do acúmulo de responsabilidades profissionais e domésticas.
Há ainda recortes por tipo de serviço: prestadores de serviços e profissionais que atuam no cuidado ao próximo são fortemente afetados pelo esgotamento profissional. Cuidadores, professores e profissionais de enfermagem são exemplos. Em geral, tratam-se de trabalhadores que lidam com pessoas em situação de vulnerabilidade e acabam submetidos a estresse ao tentar resolver tudo. Mas não é assim que se deve proceder. É fundamental respeitar os próprios limites.
Fonte: Diário do Comércio



